1. As mais recentes previsões macroeconómicas: a pior recessão desde a Grande Depressão dos anos 30
A incerteza quanto ao impacto económico do Grande Confinamento associado ao COVID-19 continua elevada e os modelos económicos tradicionais revelam-se inoperantes perante uma crise desta natureza. Mas, após alguns exercícios de antecipação que o simples contacto com a realidade imediatamente desacreditou (caso das projecções do Banco de Portugal), começa-se finalmente a ter uma melhor noção da ordem de grandeza desta crise, que sem exageros, nos confronta com um verdadeiro colapso da economia, pelo que já poucos têm dúvidas de que vamos enfrentar a pior recessão desde, pelo menos, a Grande Depressão que ocorreu na sequência da crise de 1929. Os poucos números já conhecidos relativos ao 1º trimestre deste ano dão já um sinal claro das quebras que estão a atingir a generalidade das economias com, nomeadamente, os PIB francês e alemão a registarem, em termos homólogos, o pior resultado dos últimos 75 anos, com descidas de, respectivamente, 6% e 9.8%.
As mais recentes previsões das duas mais relevantes instituições internacionais neste domínio, a OCDE e o FMI, apontam já para reduções do PIB em 2020 da ordem dos 8% a 9%. Mais cautelosa, a OCDE avança com a previsão de que, por cada mês de confinamento, o efeito regressivo sobre o PIB anual será de 2%; o FMI, no seu “World Economic Outlook” da Primavera estima um efeito mensal um pouco superior apontando os 3%. Para 2020 o Fundo prevê, num cenário que admite ser optimista e tendo uma elevada probabilidade de revisão em baixa, uma quebra da economia mundial de -3%, que na zona euro atingirá -7.5%. A quebra mais contida dos valores mundiais dever-se-á ao comportamento das chamadas economias emergentes da Ásia, com destaque para a China e a India, em que as previsões são ainda de crescimento, com valores de, respectivamente, 1.2% e 1.9%. Para Portugal a previsão do FMI é de uma contracção do PIB de -8.0%, ou seja 0.5 p.p. acima da média da zona euro.
O maior optimismo do FMI está, contudo, nas previsões para 2021 em que admite (salvaguardando, embora, a hipótese de uma reincidência do vírus no próximo ano) uma rápida recuperação da economia, capaz de anular as perdas deste ano. Assim, para o próximo ano, a previsão de crescimento a nível mundial é de 5.8%, com a zona euro a conseguir inverter de forma significativa a evolução do PIB com um crescimento de 4.7%. Portugal recuperaria mesmo da quebra a um ritmo superior ao da média da zona euro, com um aumento de 5% do PIB.
Por seu lado, a OCDE apresenta para os países membros, uma avaliação sobre o impacto na economia da actual fase de confinamento, que mostra existirem expressivas diferenças entre os vários países, com um intervalo de variações que vai dos -15% (da Irlanda) aos -35% (da Grécia). Portugal surge com um impacto previsto, claramente acima da média, com uma quebra de -27%, em termos homólogos, no respectivo PIB. Considerando que a fase do Grande Confinamento tenha a duração de 3 meses teremos um efeito anual directo desta quebra a rondar os 8.5%.
O próprio Ministro das Finanças Mário Centeno, em recente entrevista também assumiu o forte impacto da crise sanitária no desempenho da economia avançando que, por cada 30 dias úteis com a «economia parada» (palavras suas), a queda do produto atinge os 6.5%, tendo um impacto directo e indirecto no O.E. de 6 a 7 mil milhões de euros (cálculo, apesar de tudo, cauteloso que representaria cerca de 3.5% do PIB de 2019 e, seguramente, um pouco mais relativamente ao PIB deste ano).
Mas, apesar dos números anunciados serem já suficientemente importantes, eles ainda podem estar bastante aquém da realidade com que nos iremos confrontar. Dissemos já, em texto anterior, que sem dispormos de modelos de simulação, uma avaliação realista dificilmente consegue posicionar-se abaixo dos dois dígitos (ou seja uma queda do PIB inferior a 10%) e os mais recentes desenvolvimentos da crise reforçam esta nossa convicção. Por um lado, não sabemos ao certo o tempo de duração da actual fase de confinamento, ou seja de paragem de grande parte da actividade económica (admitamos que entre 3 a 4 meses), mas, por outro, o que sabemos – e este é um ponto praticamente omisso nas previsões conhecidas – é que se a queda foi praticamente abrupta a recuperação será seguramente lenta (mesmo não considerando o pior cenário de uma nova recaída por via de uma nova expansão do vírus). Ou seja, não estamos a assistir a um desenvolvimento da crise em “V” (para usar uma letra que reflete a forma de evolução da curva), como sucedeu na anterior crise deste século. Primeiro, porque tivemos uma queda que foi quase imediata em resultado de uma forte contracção da oferta (com o encerramento voluntário ou compulsivo de muitas actividades, nomeadamente comércio e serviços, e uma forte redução da actividade produtiva noutras), a que se seguiu, em razão do Grande Confinamento, aconselhado primeiro e imposto de seguida, uma forte quebra na procura. Em segundo lugar, sendo até mais relevante para avaliarmos o impacto anual desta crise, não é credível que quando as medidas restritivas forem sendo abolidas (e sê-lo-ão de forma faseada) iremos retomar uma situação próxima do normal, ou seja igual “ao que era dantes”. A retoma será sempre um processo longo e, em alguns casos, durará vários anos. É conveniente, também, ter a noção de que esse tempo será tanto maior quanto mais duradouro for o tempo do Grande Confinamento.
Mas, apesar dos números anunciados serem já suficientemente importantes, eles ainda podem estar bastante aquém da realidade com que nos iremos confrontar. Dissemos já, em texto anterior, que sem dispormos de modelos de simulação, uma avaliação realista dificilmente consegue posicionar-se abaixo dos dois dígitos (ou seja uma queda do PIB inferior a 10%) e os mais recentes desenvolvimentos da crise reforçam esta nossa convicção. Por um lado, não sabemos ao certo o tempo de duração da actual fase de confinamento, ou seja de paragem de grande parte da actividade económica (admitamos que entre 3 a 4 meses), mas, por outro, o que sabemos – e este é um ponto praticamente omisso nas previsões conhecidas – é que se a queda foi praticamente abrupta a recuperação será seguramente lenta (mesmo não considerando o pior cenário de uma nova recaída por via de uma nova expansão do vírus). Ou seja, não estamos a assistir a um desenvolvimento da crise em “V” (para usar uma letra que reflete a forma de evolução da curva), como sucedeu na anterior crise deste século. Primeiro, porque tivemos uma queda que foi quase imediata em resultado de uma forte contracção da oferta (com o encerramento voluntário ou compulsivo de muitas actividades, nomeadamente comércio e serviços, e uma forte redução da actividade produtiva noutras), a que se seguiu, em razão do Grande Confinamento, aconselhado primeiro e imposto de seguida, uma forte quebra na procura. Em segundo lugar, sendo até mais relevante para avaliarmos o impacto anual desta crise, não é credível que quando as medidas restritivas forem sendo abolidas (e sê-lo-ão de forma faseada) iremos retomar uma situação próxima do normal, ou seja igual “ao que era dantes”. A retoma será sempre um processo longo e, em alguns casos, durará vários anos. É conveniente, também, ter a noção de que esse tempo será tanto maior quanto mais duradouro for o tempo do Grande Confinamento.
Mesmo sem considerar neste contexto as dificuldades de reposicionar a oferta, a procura não vai voltar a ser a mesma. Seja por razões de perda inevitável de rendimento das famílias, seja porque o comércio internacional vai sofrer uma forte desaceleração e mutação, com um recuo ainda que temporário, da globalização, seja ainda – e talvez principalmente – porque a crise alterou o comportamento das pessoas. O vírus, designado COVID-19, produziu um outro “vírus” mental, que agravou o medo e a desconfiança na forma de nos relacionarmos com os outros e vai alterar de forma duradoura os nossos padrões de vida e de consumo. As pessoas vão seguramente viajar menos e uma conquista como a da mobilidade vai registar um retrocesso com interiorização dos novos hábitos de “ficar em casa”, da comunicação virtual e do uso das videoconferências.
É por isso que, podendo aceitar os números relativos ao impacto directo do Grande Confinamento na economia, e admitir que este se prolonga com intensidades diferentes por cerca de 4 meses (à volta de 90 dias úteis), e usando os próprios números do Ministro Mário Centeno, teremos uma quebra de 19.5% na economia neste período o, que em termos anuais, representa uma descida do PIB de 6.5%. Se admitirmos para além disso que no 2º semestre deste ano a redução da actividade se mantém, embora baixando, para metade da fase actual, estaremos a projectar uma quebra do PIB no final do ano de cerca de 10% (aproximadamente 22 mil milhões de euros a menos face a 2019).
Neste contexto, salvaguardando que a saúde pública não pode deixar nunca de ser uma prioridade e que não podemos hoje ter certezas quanto ao comportamento do COVID-19, é fundamental que, logo que possível, se retome a actividade económica. Ou seja, não podemos prolongar o período de confinamento para além do necessário, em nome de uma visão securitária que admite que a economia possa estar parada enquanto existir qualquer risco de contágio. Erradicar o vírus por completo mantendo a economia “congelada” por tempo indeterminado teria consequências trágicas para a economia, para o futuro do nosso país e, mais importante, para a vida das pessoas. Se deixarmos morrer a economia, a taxa de letalidade daí resultante será seguramente muito superior à do COVID-19. Investigadores do King’s College em Londres estimaram que em resultado da presente crise, mais de 500 milhões de habitantes do planeta irão cair em situação de pobreza, anulando os progressos que vinham sendo feitos nas últimas décadas. Em Portugal, só no último inverno morreram mais de 3 mil pessoas devido à gripe sazonal que todos os anos ocorre. Felizmente entre nós os números de mortes provocados pelo COVID-19 estão ainda muito longe destes valores.
Na previsibilidade de que a actual tendência de contenção e descida de novos casos se irá manter é essencial programar o regresso a uma situação que permita à economia retomar a sua actividade em condições tão próximas quanto possível de uma nova normalidade, condição para que a retoma se faça garantindo a sustentabilidade da mesma. Ou seja, não basta dizer que as empresas podem funcionar, é necessário assegurar a todos os níveis que a segurança não é incompatível com a mobilidade das pessoas (a começar pelas creches e estabelecimentos escolares). A saúde pública não se assegura apenas pelo confinamento em casa das pessoas, defende-se, igualmente, com a economia a funcionar e com a manutenção do emprego (os últimos confinados vão ser, infelizmente, os novos desempregados que vão resultar da crise e do encerramento de empresas). Falar do direito à saúde e do direito à vida, esquecendo o papel central da economia na garantia destes direitos é estar completamente desfasado da realidade.
Importa, por último, também ter presente (e os números da OCDE e do FMI vão neste sentido) que se o COVID-19 não afecta por igual todos os países, não são forçosamente os que venham a apresentar melhor desempenho na contenção do vírus que serão os menos afectados em termos económicos e, tendo presente, que esse diferencial pode significar, para as economias mais débeis, um aumento do número de mortes futuras.
2. As políticas públicas: para uma crise excepcional, medidas excepcionais
Esta é uma crise global, originada por factores externos à economia e às políticas dos vários Estados e com uma dimensão, em termos de impacto económico e social, colossal.
Por isso, são necessárias políticas públicas inovadoras, robustas e de rápida aplicação. Os Governos devem assumir uma primeira frente de resposta à crise mas, no caso dos países da União Europeia, as grandes decisões têm que ser tomadas a nível comunitário e de forma integrada, dada a escassa autonomia dos países membros, sobretudo, os que fazem parte da moeda única, no controlo dos efeitos da crise nas vertentes monetária e financeira.
A resposta que deve ser dada no plano económico implica conjugar dois níveis de preocupações: a) impedir o colapso imediato de uma grande parte da economia europeia e estancar as graves consequências sociais e económicas daí resultantes; e b) evitar, por um lado, que a crise económica que vivemos degenere numa crise financeira de grandes proporções e, por outro e ao mesmo tempo, criar condições para um relançamento da economia tão rápido e sustentado quanto possível.
A Europa tem um histórico recente muito pouco tranquilizador, importando crises externas de que, de seguida, é a principal vítima. Na base desta realidade está uma enorme incapacidade das instâncias comunitárias em adoptar em tempo útil as respostas que são imprescindíveis, por mais óbvias que elas se apresentem. Hoje, mais uma vez, este clima de indefinição pesa sobre a actuação da União, colocando em causa o seu futuro e o dos países membros.
Um sinal claramente positivo foi, apesar de tudo, dado pelo BCE ao intervir, atempadamente, em dois aspectos essenciais: o de conseguir travar a subida dos juros das dívidas públicas (com a compra sem limites percentuais das mesmas); e o de garantir capacidade de liquidez e de financiamento ao sistema bancário (com o lançamento de linhas de refinanciamento em condições muito favoráveis e flexibilizando critérios e rácios prudenciais na concessão de crédito pela Banca). O optimismo gerado com esta deliberação não teve, contudo, até ao momento, continuidade nas decisões seguintes das instituições políticas da U.E. (Eurogrupo e Conselho Europeu).
Após grande turbulência negocial, o Eurogrupo conseguiu aprovar um pacote de medidas manifestamente decepcionante, o qual terá ainda que ser, antes do final de Abril, confirmado pelo Conselho Europeu. Nos apoios aprovados, mais do que a dimensão do (insuficiente) pacote de 540 mil milhões de euros, o que ressalta é o conservadorismo das medidas, reféns das práticas e dos princípios actualmente em vigor na comunidade e cuja reformulação vem sendo bloqueada por um conjunto (minoritário) de Estado Membros. Utilizam-se os mesmos instrumentos (MEE e BEI); fazem-se anúncios de apoios já disponíveis (BEI) ou meramente reconfigurados (MEE); subordinam-se os apoios às garantias de Estado (BEI e programa SURE) e o crédito concedido é feito com as condicionalidades que bem conhecemos (com excepção dos apoios do MEE, exclusivamente destinados ao sistema de saúde). Em suma, muito pouco de uma actuação colaborativa e solidária que o momento presente exige.
Em concreto, e a título de exemplo a linha de crédito do MEE (que permita a Portugal beneficiar de 4 mil milhões de euros), traduz-se numa economia de pouco mais de 30 milhões de euros, tendo em conta o diferencial entre os juros de mercado e o que resulta do empréstimos do MEE (um diferencial de 0.8 p.p.), usando os cálculos apresentados em artigo do jornal “Público”.
Neste momento em que muito do nosso futuro está em jogo, da União Europeia esperar-se-iam 3 actuações essenciais e complementares:
- Evitar uma subida acentuada dos juros, seja no mercado dos títulos da dívida pública, seja no mercado do crédito bancário;
- Adoptar medidas de apoio que evitem que os montantes financeiros concedidos no combate à crise vão, no seu conjunto, engrossar os stocks da dívida pública dos países, com especial atenção naqueles com um maior peso desta no PIB;
- Criar um programa comunitário de recuperação da economia europeia, à margem do Orçamento da U.E. para a próxima década (inspirado ou não no “Plano Marshall” pós II Guerra Mundial, terá sempre que ser financiado a nível europeu).
Para concretizar estes objectivos existem instrumentos e práticas já adoptadas (aquela que já referimos do BCE, é um exemplo), mas são necessárias, também, medidas inéditas, sendo que algumas implica romper com anteriores “zonas vermelhas” da ortodoxia comunitária. Destacamos as seguintes:
- A questão da liquidez monetária e da dívida dos Estados pode e deve ser enfrentada com os meios ao dispor do BCE. Para além do que já foi feito, reafirma-se a necessidade de pôr o Banco Central a criar moeda, seja através da concessão de empréstimos não reembolsáveis a atribuir às empresas (com condicionantes), seja através da compra dos títulos da dívida dos Estados, com emissões de muito longo prazo (100 ou mais anos), o que permitirá monetarizar a dívida, sem que exista um aumento nos seus rácios e permitindo ir injectando liquidez na economia. O risco inflacionário desta medida não é, no contexto actual, significativo e alguma desvalorização do euro não se apresenta negativa para a economia europeia no seu conjunto.
- Criação de um Fundo de recuperação da economia europeia a ser utilizado nos próximos dois a três anos (proposta que está em cima da mesa por iniciativa da França), com emissão e garantia comum, a ser constituído com base numa «taxa de solidariedade» ou noutro instrumento contributivo a definir.Guntram Wolff (do Instituto Bruegel) calculava recentemente que este fundo deveria ter um montante próximo dos 8% do PIB comunitário, ou seja, cerca de 1 bilião de euros. Já uma estimativa do BCE calculava que será necessário mobilizar 1.5 biliões de euros (mais de 10% do PIB da U.E.).
- Rever e reforçar o Orçamento Comunitário para o período 2021-27, adaptando-o aos novos desafios que emergem da presente crise.
Note-se que, ao contrário do que sucede num cenário de verdadeiro pós-guerra, não nos iremos confrontar na saída da crise com níveis significativos de destruição de capital físico (construção e equipamentos), nem é suposto que a força de trabalho escasseie (o nº de mortos em idade activa provocado pelo vírus não se presume que crie escassez do factor trabalho). Por isso, o esforço de recuperação relaciona-se com quebras na procura, por um lado, e com a necessidade de inovação, por outro, dado que em muitos casos a relação das empresas com o mercado vai mudar, nomeadamente a nível das formas de venda e de prestação do serviço. O novo desemprego criado na crise e aquele que resulta de uma tendência reforçada para a automação e a robotização, requerem novas competências para o desempenho de novas funções, implicando a requalificação dos recursos humanos. Mas, sem perder a noção de que, agora como antes, o foco da competitividade económica está na criação de valor e nos factores imateriais que a potenciam.
O Primeiro Ministro António Costa para aliviar de algum modo a tensão existente com sucessivas declarações do Estado de Emergência, tem usado a metáfora de que com as medidas de contenção adoptadas, em breve «iremos ver a luz ao fundo do túnel». Mas o que temos que acautelar, para usar a conhecida imagem de Slavoj Zizek, é que essa luz que iremos ver não seja a de um comboio que vem a toda a velocidade na nossa direcção. Ou seja, que quando a crise do Covid 19 e o Grande Confinamento desaparecerem não nos caia em cima a receita da “política de austeridade”, que o país tão bem conhece e cujos efeitos na vida dos portugueses ainda persistem e que, a serem adoptados os mesmos critérios, poderá ressurgir numa dimensão ainda mais severa.
A este respeito as promessas actuais do Governo e do Primeiro Ministro de rejeição da austeridade valem neste quadro bastante pouco. É que se não mudarem as regras, tal como no passado a margem de manobra de países como Portugal é escassa e este Governo não tem propriamente um histórico de afrontar o seu cumprimento.
Não temos uma memória assim tão curta para não sabermos que muitos dos que agora nos incitam a prolongar o confinamento e a manter a economia parada e que não levantam hoje qualquer objecção a que se aumente a despesa pública, agravando significativamente o défice do O.E. (o FMI prevê uma quebra -7.1%, que poderá automaticamente aumentar se a queda do PIB for também superior, como antecipámos) e fazendo com que a dívida pública suba 20 a 30 p.p. em relação ao PIB (o mesmo FMI aponta em 2020 para um aumento desta para 135% do PIB), vão ser aqueles, que, seguidamente, vão estar na primeira linha a recomendar ou a impôr programas de austeridade. Iremos então sentir de novo o efeito da discriminação, acusando-nos de termos adoptado uma gestão das finanças públicas expansionista e pouco prudente e vão exigir novas políticas contra-cíclicas, fixando de forma mais ou menos arbitrária novas metas e prazos para a consolidação das contas públicas do país.
Neste cenário provável nenhum Governo poderá então novamente deixar de cortar na despesa pública, ou seja, e, desde logo, no investimento público (que é aquele que menos conflitualidade social cria) ou afirmar que não haverá nenhum novo “enorme aumento de impostos”. Por isso, este é o tempo de procurar travar este cenário trágico (mesmo sendo uma repetição é esta a palavra adequada), e de não nos conformarmos com os acordos de Bruxelas que deixam tudo na mesma. O Governo deve empenhar-se em procurar as alianças e os entendimentos necessários para impedir que os que querem uma Europa formatada para servir apenas os seus próprios interesses consigam fazer vingar esse objectivo. Até porque – e esta é a sua falta de visão estratégica – ninguém sai fortalecido quando a Europa fica mais fraca e debilitada.