O Portugal 2030 deverá, pois, centrar-se em três pilares estratégicos alicerçados num conjunto bem preciso de desafios: as pessoas, o território e as empresas.
Nesta semana em que, muito apropriadamente, o ‘Jornal Económico’ em parceria com o Novo Banco organiza o ‘Fórum Portugal 2030’ focado nas oportunidades para as empresas, importa termos em conta alguns princípios fundamentais para garantir a sua eficácia e impedir que se transforme em mais uma oportunidade perdida.
O que defendemos na Confederação do Comércio e Serviços (CCP) – nesta fase em que não são ainda conhecidos em detalhe os diplomas que aprovarão os vários programas operacionais – são princípios essenciais para assegurar que esta oportunidade de canalização dos fundos europeus (muito provavelmente a última desta dimensão para Portugal) será utilizada ao serviço de uma maior competitividade do nosso tecido empresarial.
Com efeito, o Portugal 2030 é uma ocasião que não pode em absoluto ser desperdiçada para assegurar às empresas o que o PRR não conseguiu, dada a pouca atenção concedida pelo Plano de Recuperação e Resiliência à importância do investimento das empresas, nomeadamente das PME, na sua componente de competitividade do tecido produtivo.
O que a CCP tem reiterado é, aliás, que os programas comunitários têm de ser concebidos em linha com uma estratégia de desenvolvimento do país, o que não pode deixar de significar uma mudança dos paradigmas do passado e de redefinição de um novo modelo económico.
É preocupante termos um modelo económico dentro do qual crescer significa alargar o saldo negativo da nossa balança de bens com um modelo de exportações industriais, assente numa elevada incorporação de componentes importadas. O grande objetivo nesta década devia, por isso, estar focado em aumentarmos, não apenas as nossas exportações brutas, mas as nossas exportações líquidas. O que significa alterar o nosso perfil exportador, com novos produtos e cadeias de valor mais preenchidas pelas componentes de valor produzidas em Portugal. Só assim podemos ambicionar ter um crescimento sustentável do nosso comércio externo, em que um aumento das exportações seja acompanhado por saldos positivos da nossa balança de bens e serviços. O contrário agrava a nossa balança de pagamentos e a dívida externa da nossa economia.
O Portugal 2030 deverá, pois, centrar-se em três pilares estratégicos alicerçados num conjunto bem preciso de desafios: as pessoas (com os desafios do envelhecimento, das qualificações e da melhoria dos serviços de interesse geral); o território (com os desafios do repovoamento, do ordenamento do território e de uma política de cidade enquanto fator de competitividade e de atração); e as empresas (com os desafios da criação de valor, da inserção da economia na nova globalização e da atração de IDE de qualidade e de talentos).
Importa, tendo em consideração o acima descrito, ter também em conta a necessidade de compensar a clara insuficiência de instrumentos financeiros dirigidos ao sector do comércio e dos serviços no âmbito do Portugal 2020, seja no que toca aos apoios diretos a empresas ou a projetos conjuntos visando proporcionar massa crítica a sectores económicos e zonas urbanas.
Para que se corrijam as lacunas e se aprenda com a experiência obtida com o PT2020 será assim indispensável vencer alguns desafios, agravados pela situação europeia atual, nomeadamente: mudar o modelo de gestão e a crescente burocracia que, em nome da transparência, tem vindo a reforçar-se de Programa para Programa. Adotar um modelo de gestão que alie uma maior coordenação política a uma também maior autonomia por parte dos organismos intermédios, com regras mais flexíveis e uma melhor capacidade de avaliação do mérito dos projetos. Nada disto parece resultar do modelo de Governação entretanto aprovado.
Ajustar as condições de candidatura das empresas à situação de crise que estamos a viver. As regras do anterior PT2020, se válidas no passado, já não o podem ser atualmente, face a uma realidade em que as empresas se confrontam com um contexto de asfixia financeira, marcada por crescentes e insuportáveis custos no recurso ao financiamento bancário. Ações de apoio a investimentos de pequenas e médias empresas baseadas em elevadas percentagens de financiamento não comparticipado ou de financiamento reembolsável, não vão ser exequíveis na atual conjuntura.
Alterar a execução de investimentos públicos. Obras públicas que requerem o recurso a empresas não podem assentar em concursos com exigências no preço completamente irrealistas e fora da realidade atual do mercado, como vem sucedendo no PRR. Este tem sido aliás um fator de bloqueio na execução de múltiplas ações com concursos anulados por falta de empresas concorrentes e, embora a situação esteja a melhorar, ainda há muito por fazer.
A aposta europeia nas transições climáticas e digital tem que ser lida na transversalidade das alterações que lhe estão associadas. Estas transições têm, por isso, que corresponder a mudanças profundas na forma de produzir e de criar valor ou seja, devem estar focadas, muito em especial, naquelas que são as verdadeiras vantagens competitivas do país: os seus recursos humanos e o território. A qualificação dos Portugueses foi uma aposta de sucessivos governos e permitiu, como sabemos, alterar o perfil académico da nossa população e dos seus ativos.
Mas este salto nas qualificações académicas não foi devidamente acompanhado por três outros elementos essenciais: por uma adequada reorientação das mesmas para as áreas de que a economia mais carece; por uma continuada aposta na formação dos nossos ativos, na dupla perspetiva de uma formação ao longo da vida e de uma formação que incorpore as mudanças na economia; e por um investimento claro na melhoria da qualidade da gestão do tecido das PME .
O mesmo se aplica à política do território. O território e as cidades não podem ser vistos apenas como espaços de atração de turistas. Sem deixar de considerar positiva essa captação, eles devem ser considerados, também, como verdadeiros fatores competitivos da nossa economia, ao nível da elevação da produtividade das nossas empresas e da atração de novos investimentos, além de serem elementos essenciais de uma política de coesão territorial e de um desenvolvimento mais harmonioso do país.
Em artigos futuros, desenvolveremos aqui de forma mais detalhada a apreciação dos programas operacionais e o caminho a seguir para a criação de valor. Há demasiado em jogo para que o país possa desperdiçar esta oportunidade irrepetível para o nosso futuro.
Portugal 2030, uma oportunidade irrepetível | O Jornal Económico (jornaleconomico.pt)