A CCP realizou no dia 2 de Julho, no CCB, em Lisboa, a conferência de abertura da celebração dos 50 anos da CCP, sobre o futuro da Europa, subordinada ao tema do modelo económico europeu e o esgotamento do “milagre alemão”.
A conferência contou com as reflexões de Wolfgang Münchau, economista, jornalista e Director do Eurointelligence, e autor do livro Kaput, o fim do milagre alemão.
Durante a sua intervenção, o autor frisou a recente perda de competitividade da economia alemã devido à falta de investimento na digitalização dos seus sectores estratégicos há décadas, sobretudo na indústria automóvel, bem como o facto de ter beneficiado do acesso a importações de gás natural provenientes da Rússia a baixos preços até ao início da guerra da Ucrânia.
Para além da perda de competitividade, o facto da Alemanha ter um superavit na sua balança comercial (de cerca de 9%), que fez com que as suas poupanças fossem investidas no exterior, em vez de serem investidas na Alemanha e na União Europeia.
Com a eleição de Donald Trump e a sua política de imposição de tarifas aos seus concorrentes comerciais, prevê-se que seja aplicada uma tarifa comercial às importações provenientes da EU (segundo o autor, de pelo menos 10% a 25%, no cenário mais optimista, dentro de 3 meses, em sectores automóveis, aço, alumínio, farmacêutico, etc.), que em conjugação com as mudanças subidas da taxa de câmbio do euro face ao dólar (prevendo-se que continuem a subir) tem diminuído a competitividade das exportações europeia. A subida da taxa de câmbio do Euro em relação ao dólar e a aplicação de tarifas comerciais de 15% no cenário mais optimista pode vir a provocar um choque comercial de cerca de 30%, o que irá colocar ainda mais à vista a vulnerabilidade do actual modelo económico. Apesar de dentro de quatro anos a situação política nos EUA poder mudar, não é previsível que os EUA alterem o essencial da sua política económica em relação à Europa.
Segundo Wolfgang Münchau, o modelo de exportação com superavits já não é viável, sendo necessário um novo modelo económico, menos baseado em exportações, e mais baseado no nosso território, com maior investimento em inovação e no território europeu.
Foi também referido pelo autor que o recente aumento de 5% em despesas militares negociado na Nato, e que será financiado através do aumento de dívida, é um erro, uma vez que não houve um apuramento das reais necessidades militares do país, sendo os 5% um número aleatório.
Sendo necessário criar uma política de defesa e de aquisição de material militar, de forma a aumentar a eficiência (neste momento a Europa em 12 sistemas de artilharia e os EUA um, tendo a mesma discrepância em relação aos tanques de combate, sendo clara a sua falta de eficiência).
À apresentação do orador seguiu-se um debate com um painel de convidados, constituído pelo gestor António Ramalho, Presidente da Lusoponte, o antigo ministro da economia Augusto Mateus, e João Marques de Almeida, especialista em Relações Internacionais, moderado pelo jornalista da Renascença José Pedro Frazão.
O orador António Ramalho referiu que as seis grandes razões pelas quais o autor e orador principal fala no fim do modelo económico alemão (debilidade do sistema financeiro alemão, recusa na incerteza no new land do novo mundo que se pensava que era o antigo, a energia barata proveniente da Rússia, o acesso ao mercado quase ilimitado da China, o principio dos superavits industriais permanentes e a falta de uma revolução multicultural existente) terminam sempre num problema de governação da Alemanha em relação a cada um destes temas, na promiscuidade entre o Estado e as empresas privadas e numa espécie de orientação dirigista do modelo, o que coloca dúvidas ao orador sobre os diversos pontos chave que irão determinar a resposta da Europa. Apesar da indignação europeia em relação às tarifas impostas pelos EUA, a Europa foi a primeira a regionalizar a sua estrutura e pensamento económico, colocando entraves comerciais com a introdução da Política Agrícola Comum, sendo este um modelo rígido, sem a flexibilidade necessária para responder aos modelos concorrentes. Também realçou o seu criticismo em relação às soluções do relatório Draghi, devendo o mesmo ser usado mais como um diagnóstico, nomeadamente em relação aos três grandes dramas na Europa: a perda da inovação e a revolução tecnológica, a descarbonização e competitividade europeia devido à nossa perda de competitividade (cerca de 20% face aos EUA) e a existência de sérias dependências do mercado multicultural quando somos defensores da regionalização dos mercados, e é nestes problemas que a Europa se deve centrar.
Para o orador Augusto Mateus, Portugal não tem conseguido discutir o seu futuro em função do futuro da europa e do mundo, sendo esta uma discussão bem vinda. Para o orador, o futuro da Europa só faz sentido se for um projeto de paz, tendo o projeto europeu sido construído com o objectivo de assegurar a paz no continente europeu após um período de guerra.
Também argumentou que a PAC é um instrumento de governação, sendo assumida como um procedimento essencial para constituir maiorias que permitissem contruir a Europa, particularmente o mercado comum. Ainda segundo o orador, é necessário assegurar a hibridização do mundo rural com o mundo urbano, e encontrar uma nova relação entre demografia e economia que estimule o crescimento, bem como a criação da comunidade europeia da descarbonização, que é absolutamente essencial (devido à mudança radical que houve na articulação entre a população mais jovem com os bens duradouros e os serviços). Ninguém se vai reindustrializar no sentido de indústria transformadora, pois vivemos numa sociedade pós-industrial pós mercadorias, em que ninguém quer comprar mercadorias.
Para terminar, o orador colocou a seguinte questão: O euro é uma moeda única para a europa ou uma moeda internacional para o mundo?
Para concluir, referiu que o próximo objectivo da UE deve ser assumir-se como um projeto de paz, de produzir mais valor com menos utilização do planeta e explorar até ao limite a economia ao serviço da qualidade de vida em todas as idades.
Para o orador João Marques de Almeida a europa está em crise há mais de 20 anos, e vai continuar em crise, embora frisasse que os restantes grandes espaços económicos também estão a passar por uma crise.
A China tem uma crise de dívida enorme, tendo a sua liderança tomado uma decisão há alguns anos de que o controlo da sociedade pelo partido é mais importante que o crescimento económico.
Os EUA também enfrentam grandes problemas, como a sua dívida pública gigantesca, sendo que o que gastam nos juros de dívida é neste momento superior ao que gastam na defesa, o que historicamente é um claro sinal de declínio das grandes potências mundiais. Por outro lado, o desempenho notável nos últimos anos da sua bolsa está concentrado em sete grandes empresas, que têm uma capitalização de bolsa praticamente idêntica a todas as outras empresas cotadas. Embora a Europa tivesse um superavit comercial, depois exportava capital para os EUA. Todos os anos há cerca de 300 mil milhões de euros que saem da Europa para serem investidos na bolsa dos EUA, sendo fundamental para o crescimento europeu que esse capital regresse à Europa, através da criação de um grande mercado de capitais que possa rivalizar com o mercado americano. O orador referiu também que o mercado de empresas privadas (empresas não cotadas, sobretudo de private equity), na Europa é tão ou mais interessante que o dos EUA. Por exemplo, a Blackstone tem fundo europeus, e anunciou que iria levantar nos próximos anos 500 mil milhões de euros para investir na economia europeia.
Embora o sul da europa tenha actualmente uma disciplina fiscal superior à do Norte da Europa, o orador referiu que o sul da europa inclui também a França, que actualmente tem uma divida pública muito significativa e cujos sucessivos governos franceses revelaram incapacidade para controlarem os défices públicos (que este ano será de cerca de 6% do PIB).
Relativamente à questão dos 5% em percentagem do PIB para aumentar os gastos em defesa, o orador referiu que é necessário não depender dos EUA para a defesa europeia, e assegurar a autonomia da Europa para assegurar a sua própria defesa. É também necessário criar e evoluir uma joint procurement europeia em muitas questões.
Para terminar, em relação às políticas de Sustentabilidade, referiu que as políticas de transição energética não podem ser feitas contra as empresas, contra o crescimento económico nem contra os consumidores. Tem de ser feitas para auxiliar o crescimento económico.
02 Julho, 2025, às 09h00
Local:Centro Cultural de Belém, Lisboa