14 de Março, 2023
Os Portugueses Face ao Trabalho de Silvino D. Ruivo
Realizou-se no ISEG, Auditório 2, no dia 3 de Fevereiro de 2023, pelas 17h30, a apresentação do Livro Os Portugueses face ao Trabalho, de Silvino Dias Ruivo, seguida de um interessante Debate sobre o impacto das qualificações e da formação na produtividade e na competitividade da economia portuguesa.
Silvino D. Ruivo é Licenciado em Ciências Sociais e Políticas, ISCSP (Universidade Técnica de Lisboa) e Doutorado em Sócio Economia (Universidade de Paris X-Naterre); Docente, no ISEG (Instituto de Economia e Gestão, da Universidade Técnica, actualmente integrado na Universidade de Lisboa), no ISG (Instituto Superior e Gestão); Director de Recursos Humanos da NCR (multinacional americana); Director Geral da Europraxis, Administrador da CIPOL (Companhia Internacional de Petróleos). Consultor e Formador em Gestão.
Conduzido por Daniel Adrião (presidente na empresa Fórum Ibero-América – Associação para a Cooperação Iberoamericana e investigador do CIES-ISCTE), o Debate contou com a presença de um painel de especialistas, tanto do lado sindical como patronal: Presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, António Marçal; Presidente do SICTTEX, Samuel Vieira; Membro do Conselho Económico e Social – CES e director executivo do Observatório de Serviços, Competitividade Urbana e Coesão Territorial, José Cortez; Ex-administrador da Hyundai Portugal e do Grupo Entreposto, Veiga de Macedo.
A sessão teve início com umas breves palavras proferidas pelo seu moderador, Daniel Adrião, que começou por felicitar o autor, Silvino D. Ruivo, pelo grandioso trabalho realizado, dando igualmente a conhecer a sua vasta experiência na gestão de Recursos Humanos. Continuou aludindo à estrutura da obra em análise, tendo em atenção a metodologia seguida, assim como o seu conteúdo, como forma de chamar a atenção do público e dos seus companheiros de mesa, para temas que, da sua leitura, saltam à vista, dada a sua relevância e polémica no mundo laboral.
Este livro resulta, assim, de um trabalho de pesquisa, prático que explica o problema da produtividade e dos salários baixos, passando por questões relacionadas com o mundo do trabalho, das escolas, das instituições sindicais e patronais. Esta Obra, mostra, igualmente, na opinião de Daniel Adrião, a dificuldade em simplificar o trabalho, para sermos mais produtivos e felizes, assim como as fragilidades encontradas no processo de recrutamento e de formação de pessoas.
Seguindo a premissa dada pelo Moderador, os restantes participantes no Debate foram unânimes quanto à pertinência do trabalho realizado por Silvino D. Ruivo, salientando, num diálogo construtivo e bastante enriquecedor, aspectos como a precariedade, a remuneração, a formação e a valorização do trabalho. De realçar também a ideia de um livro que oferece aos seus leitores um trabalho de Estudo que se afigura como uma consulta permanente, uma referência pelas informações dadas, pelas pistas apontadas como soluções e o caminho a ser seguido. Adicionalmente, foi feita a alusão a uma Economia com as suas diferenças próprias da actualidade, cuja evolução positiva também não pode ser descurada, apesar dos indicadores negativos que observamos no trabalho feito por Silvino D. Ruivo. Uma Economia Competitiva que não pode surgir alicerçada em salários baixos, mas sim numa consciência de valor imaterial a que ninguém pode ficar indiferente.
Uma cadeia de valor que assenta, acima de tudo, na construção da valorização do trabalho, aliando funções e competências ao conhecimento. Esta ideia, muito premente no livro, dá-nos, de facto, uma visão do trabalho que alia a adaptação de saberes ao mundo laboral, às funções desempenhadas e às pessoas que as desempenham, numa lógica de evolução a todos os níveis: conhecimento – adaptação – formação – criatividade – reconhecimento – Produtividade.
Para tal importa Planear, Organizar e Comunicar para que se garanta o sucesso no trabalho. Será assim, e sobre este ponto, também os intervenientes foram unânimes, imprescindível atrair talento e fixá-lo, que encerra em si um problema para as empresas que se deparam com a imensa dificuldade na concretização deste objectivo.
É de facto uma obra que tem tanto de estudo, como de ensaio, como de auto-ajuda e de guia para uma boa gestão e para o um bom desempenho profissional. O autor vai dando para cada grupo-alvo, pistas, estratégias e até conselhos para adopção de um comportamento positivo e válido em qualquer organização. Não nos podemos esquecer de que as organizações são feitas por pessoas, com características e competências distintas entre si, pelo que exigem da gestão de Recursos Humanos uma análise às suas valências e uma correcta adaptação ao trabalho.
A análise feita no Livro de Silvino D. Ruivo ao trabalho de gestores (em 7 categorias) bem como a outras dimensões do trabalho (em 24 categorias), levanta uma série de questões relacionadas com a produtividade dos trabalhadores portugueses, as novas tecnologias e a organização do trabalho, a prevalência das soft skills, a legitimidade nas relações laborais, o contracto de trabalho e a carreira profissional.
Todos estes dados são analisados e apresentados de forma clara que facilita a leitura e nos põe a pensar desde a origem do problema à sua cura, passando pelos diferentes sintomas que assolam o mundo do trabalho a vários níveis. Dividido em nove capítulos, abrangendo as várias dimensões do mundo laboral e todos os seus atores-chave, é levada a cabo uma análise aprofundada, tendo em conta as 31 variáveis testadas, de acordo com os principais temas que o constituem: Management; Produtividade no trabalho; Autodesenvolvimento; Inteligência Comportamental das Organizações; Inteligências operacionais; Potencial comercial. Os resultados obtidos junto de participantes oriundos das diferentes hierarquias no corpo empresarial, surgem agregados em dois grupos: o grupo A (positivo) e o grupo B (problemático), emergindo daqui recomendações para aquelas e para os seus trabalhadores. O autor realça alguns resultados críticos quanto ao management, por exemplo, a falta de capacidade de delegar, de planear, assim como a dificuldade generalizada em comunicar, vistos como alicerces da boa gestão empresarial.
Silvino D. Ruivo faz uma análise à realidade encontrada nos dados da amostra utilizada, seguida de dois aspectos interessantíssimos e que podem, perfeitamente, figurar num Manual de gestão empresarial, a que dá o subtítulo de “Sugestões e Remédios”. Até esta analogia com a medicina parece elevar o tema aqui estudado a um novo patamar, pois se o problema é grave e as empresas padecem de uma doença grave, então devem, de facto, ser encontrados os melhores “remédios” para cada tipo de problema, de acordo com os “sintomas” detectados.
Verificamos que são muitos os factores que convergem para a construção de organizações robustas e competitivas e que vão muito além da sua realidade interna e da aposta nas tecnologias ou em locais de trabalho agradáveis. Sendo de realçar a importância de se apostar na formação nas NTIC, como forma de responder às galopantes mudanças tecnológicas. Assim, lança o autor o repto às instituições de ensino públicas e privadas, ao IEFP, bem como a cada indivíduo que deverá, igualmente, procurar frequentar acções formativas que considere válidas para si e para a sua evolução na carreira.
Também a forma como são apresentados os conceitos merece destaque, o autor fala-nos, por exemplo, de factores como o “trabalho intenso” para aludir a um método de trabalho no qual se destacam diferentes perfis de trabalhadores, tudo isto colocado sob o chapéu da Produtividade.
E porque trabalhar conceitos carrega sempre consigo uma certa filosofia, o autor vai pincelando o seu discurso com analogias bebidas dos filósofos da antiguidade clássica, que muito discursaram sobre o valor da vida em sociedade. Os conceitos são apresentados de forma até a mudar, muitas vezes, os mitos que construímos em torno deles, veja-se o caso do “perfeccionismo”, muitas vezes, identificado como positivo, mas que nem sempre o será, pois este implica a repetição de verificação do trabalho, conduzindo a um gasto de tempo desnecessário e a um atraso na realização da tarefa em causa. Pessoas perfeccionistas tendem a ter uma baixa auto-estima e autoconfiança que as leva a repetidas acções desnecessárias e a uma fraca eficácia nas tarefas que têm pela frente. O autor descreve-as como um “inimigo da perfeição possível” (pág. 100).
Nesta lógica de pensamento, é interessante verificar também que nem sempre o que consideramos como o melhor, se aplica às organizações. A título de exemplo, os dados demonstram que pessoas com um nível de QI médio são mais performantes do que pessoas com um nível elevado, pondo em causa a ideia de que um QI elevado é sinónimo de sucesso, passando, assim, a ser valorizado um bom nível de Inteligência Emocional, que só 20,6% dos inquiridos atinge.
Silvino D. Ruivo deixa-nos a nota importante de que as empresas precisam não só de bons líderes, capazes de gerir as suas equipas, de planear, de delegar e de organizar tarefas, mas também de trabalhadores resistentes ao stresse físico, persistentes e resilientes, pois “Paciência, persistência e transpiração compõem uma combinação imbatível para o sucesso” (citação de Nigel Cumberland – pág. 88).
O bom profissional, nos dias que correm, terá um perfil flexível, será polivalente, adaptativo, proactivo e terá espírito de trabalho em equipa. Este é um perfil que deve ser valorizado pelas organizações, porque nele encontramos pessoas com capacidade de agarrar novas oportunidades, novas tarefas e que se adaptam facilmente à mudança.[1] São, também, ingredientes fundamentais a ambição, motivação, autoconfiança, criatividade e inovação. É nesta perspectiva que Silvino D. Ruivo aponta as inteligências lógica, comunicacional e emocional como a chave para o desenvolvimento pessoal. A IL[2] (racionalização da realidade) e a IC[3] (que agarra estes raciocínios, aplicando-os na explicação da realidade através da linguagem oral, escrita e gestual), servem-se da IE[4] para tornar o relacionamento humano mais transparente e mais respeitador das características pessoais. As empresas precisam de trabalhadores motivados, bem preparados tecnicamente, com boa capacidade lógica e emocional, empreendedores e com capacidade de auto motivação.
Outra dimensão abordada pelo autor e muito relevante no mundo laboral português é a remuneração, referindo que não sendo o único factor motivador, terá um peso muito significativo na Motivação dos trabalhadores. Sem querer aprofundar muito esta matéria, o autor deixa-nos dois conceitos pertinentes: “remuneração justa” (tempo e horas) e “remuneração equitativa” (funções iguais, performance individual, capacidade para pagar), dando, com recurso a uma fórmula, a possibilidade de construir uma Matriz de remuneração que reconheça o mérito individual.
De qualquer forma, o foco para o sucesso está, sem dúvida, na Produtividade, cuja fórmula inclui elementos como a qualidade de gestão, a competência dos trabalhadores, a motivação, o reconhecimento do trabalho, o recurso à tecnologia e a políticas públicas que promovam a actividade empresarial. Contrariamente ao desejado, os dados revelam um índice de produtividade muito baixo em Portugal e que tem vindo a piorar ao longo dos últimos anos. Numa altura em que urge falar sobre a valorização do trabalho, “as organizações precisam de pessoas que não sejam, em todas as situações e em todos os momentos, necessariamente felizes no trabalho que executam, mas que, aconteça o que acontecer, têm sempre uma atitude positiva no desempenho profissional.” (pág. 83). Importa que todos estejamos cientes de que, numa realidade em constante mutação, “(…) o mundo move-se tão depressa que o homem que diz que algo não pode ser feito, é geralmente interrompido por alguém que já o está a fazer, e depressa.” (pág. 76).
É urgente saber como será o futuro das relações laborais perante os avanços tecnológicos num mundo cada vez mais conectado, acarretando, por isso, implicações éticas, políticas e religiosas decorrentes da afirmação e uso da Inteligência Artificial.
Sobre o futuro do trabalho, interessa ao leitor observar a lista de profissões que o autor aponta como emergentes e que decorrem do rápido avanço tecnológico a que estamos a assistir, sendo também citadas aquelas que têm tendência a desaparecer.
Uma obra que não se cinge à apresentação de dados estatísticos recolhidos através do estudo desenvolvido, mas, antes, a uma análise cuidada aos elementos daí extraídos de quem tem um conhecimento empresarial bastante apurado e consegue transmitir um tom crítico, por vezes controverso, mas, acima de tudo, aprofundado que porá qualquer leitor a reflectir sobre as suas atitudes enquanto membro deste mundo do trabalho. Esta é, sem reservas, uma obra que nos põe a pensar sobre nós, indivíduos, sobre a nossa realidade profissional, o nosso papel na sociedade e no que podemos melhorar enquanto profissionais e enquanto seres humanos.
[1] São, portanto, pessoas com elevado nível de IL e IE. A percentagem obtida no estudo de pessoas não enquadráveis neste perfil revela-se preocupante, pois estamos perante 50% de trabalhadores que reagem mal à mudança.
[2] Inteligência Lógica
[3] Inteligência Comunicacional
[4] Inteligência Emocional