Breves Comentários ao Programa de Estabilidade 21-25

e à apresentação da versão final do PRR

1. O Programa de Estabilidade (PE) apresentado pelo Governo no âmbito do Semestre Europeu prevê que a economia portuguesa consiga recuperar da queda registada em 2020 com a crise COVID até ao final de 2022, seguido de uma retoma de crescimento do PIB nos três anos seguintes de 2.8%, 2.4% e 2.2%, sucessivamente. Em comparação com o conjunto da U.E. (e usando as mais recentes previsões do FMI), Portugal regista uma recuperação abaixo da média em 2021 para terminar o quinquénio a crescer em sintonia com os valores médios previstos para a U.E. Em relação ao ano em curso, a correcção face ao Relatório do O.E. para 2021, apresentado em Outubro passado, é de -1.4% p.p. (os actuais 4.0% compararam com os 5.4%, então previstos), mas, o que releva é a incerteza que ainda persiste sobre o efeito da pandemia na economia.

2. Os números do crescimento económico para o pós-crise (supostamente de 2023 em diante), ainda que sendo mais optimistas que os da maioria das entidades que elaboram previsões de médio prazo para a economia portuguesa (casos do Conselho de Finanças Públicas – CFP, da OCDE e do FMI), configuram um crescimento muito insuficiente, apenas ligeiramente acima dos 2% e com uma tendência desacelerativa, apesar do impulso dado pelo PRR e pelo PT 2030. O país para encetar um processo de convergência efectiva precisaria de crescer até ao final da década pelo menos 2 p.p. acima do previsto, acompanhando o ritmo de crescimento das economias com que mais directamente concorre no espaço europeu.

3. Para a recuperação/crescimento do PIB, destaca-se o contributo da procura interna, em especial, do investimento (FBCF) que, se admite, cresça 8% e 8.6% em 2022 e 2023, em resultado dos apoios do PRR, cujo processo de implementação se encontra atrasado. O P.E. considera que, no final dos 5 anos a que o mesmo reporta, o contributo do PRR para o crescimento do PIB poderá atingir os 3.5%, ou seja, um contributo anual de 0.7 p.p. (o que significa que sem o Plano a economia iria crescer bastante abaixo dos níveis registados nos anos anteriores à crise). É, aliás, preciso retroceder a 2015 para registarmos um crescimento abaixo dos 2% do PIB.
Em relação ao investimento público, o seu ritmo após registar um aumento de 26% em 2021 (para o qual o CFP considera não ter identificado projectos de investimento que permitam sustentar esta evolução) e de 31.7% em 2022, desacelera no ano seguinte, para ser de apenas 3.7% em 2024 e de 1.4% em 2025.

4. Do lado da procura externa, a evolução prevista (só em 2023 se recuperará da queda de -18.6% registada em 2020) está longe de confirmar o objectivo de se atingir em meados da década um peso de 50% das exportações no PIB e, acima de tudo, confirma um perfil do nosso comércio com o exterior em continuado défice do saldo da balança de bens e serviços, com a retoma de um crescimento maior das importações em relação às exportações a partir de 2023 (apesar de um deflator das exportações mais favorável).

5. Em matéria de contas públicas, o saldo orçamental, embora negativo, ao longo dos 5 anos do P.E regista uma melhoria, passando de -4.5% em 2021 para apenas – 1.1% em 2025. Esta evolução é, naturalmente, prejudicada pelo fraco crescimento da economia, mas poderá, ainda, estar subavaliado pelo deflator do PIB utilizado, que estará a inflacionar o valor do PIB nominal para os próximos 5 anos (é pelo menos essa a opinião do CFP). Para a recuperação do défice contribui, em especial, o aumento previsto nas receitas, permitindo repor um saldo primário positivo já em 2023 e com a receita fiscal a crescer acima do PIB nominal nos dois últimos anos da projecção. Do lado da despesa, ganha relevo a queda das despesas com juros que caiem – 4.4% em média anual, passando de 2.6% do PIB em 2021 para 1.8% em 2025.
No que se refere à dívida pública, a contracção prevista em 4 anos é de 14 p.p. (de 128% no final de 2021 para 114% em 2025), o que apenas se afasta ligeiramente do ritmo de redução da mesma fixado no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), entretanto suspenso.

6. Em relação ao PRR e, com base na apresentação pública da sua versão final, as únicas alterações de maior vulto dizem respeito à inclusão de duas novas componentes (“cultura” e “mar”, com um investimento previsto de, respectivamente, 243 e 252 milhões de euros) e à redução das verbas afectas a infraestruturas (-143 milhões) devido ao chumbo por Bruxelas de investimentos na rodovia.
Ao mesmo tempo, admite-se o recurso adicional a empréstimos, num valor até 2300 mil milhões de euros, para a capitalização de empresas e agendas/alianças mobilizadoras na indústria.
Ou seja, as várias propostas apresentadas pela CCP em fase de consulta pública, não terão sido, de todo, acolhidas (de acordo com a informação dos “power-points” disponibilizados), pelo que os comentários e as críticas, por nós formulados no passado mês de Março, se mantêm, sendo incompreensível que um Plano de investimentos extraordinário, criado em resultado da crise que estamos a viver e que se pretende de recuperação e de resiliência ignore, praticamente por completo, os sectores e as áreas mais atingidas pela crise e

que requerem intervenções que os reposicionem na nova configuração pós-crise, sendo hoje claro que o perfil da procura não voltará a ser igual ao que era antes da mesma.

Em síntese,

• Um cenário de evolução da economia portuguesa acomodada a um crescimento medíocre no pós-crise, apesar dos montantes financeiros comunitários alocados ao país, e em que emerge uma política orçamental, claramente não expansionista e que procura, acima de tudo, compatibilizar o reequilíbrio das contas públicas com o crescimento económico (sendo quase certo que na execução orçamental o primeiro objectivo tenderá a prevalecer sobre o segundo).

• O retorno a um défice continuado da balança comercial do país, que o modelo e o perfil da nossa economia tenderá a agravar, dado que a crise afectou, sobretudo, a balança de serviços, principal contribuinte para o saldo positivo nos bens e serviços, facto que não é minimamente tido em conta nas políticas futuras.

• Um PRR decepcionante e que ignora os sectores que mais poderiam contribuir para uma retoma mais robusta da economia, sem uma visão de conjunto sobre as grandes apostas estruturais e que, em grande medida, se destina a atenuar despesa cuja sede deveria ser o O.E.

CCP
21/04/2021

Começe a escrever e pressione "Enter" ou "ESC" para fechar